quinta-feira, 17 de junho de 2010

O Programa Nacional de Biodiesel: avanços e limites

Carta Maior

16/06/2010 

O Programa Nacional de Biodiesel: avanços e limites

Do ponto de vista produtivo, é inquestionável o sucesso do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel. No curto espaço de cinco anos, o programa conseguiu induzir a formação de um parque industrial capaz de atender a uma demanda de cerca de dois bilhões e meio de litros de biodiesel. O PNPB não apenas conseguiu atender à demanda antecipada do B5, como alcançou uma capacidade produtiva bem superior à demanda atual. Contudo, do ponto de vista distributivo e da justiça social, o programa ainda precisa avançar muito. O artigo é de Georges Flexor, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Georges Flexor (*)

O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) completou em janeiro de 2010 cinco anos. Dado que a meta de adicionar 5% (B5) de biodiesel ao diesel mineral foi alcançada oficialmente em 2010, antecipando em três anos a previsão inicial, e que o mercado de biodiesel encontra-se relativamente bem estruturado, o momento atual pode ser apropriado para tecer algumas considerações avaliativas sobre o caminho percorrido.

Do ponto de vista produtivo, é inquestionável o sucesso do PNPB. No curto espaço de cinco anos, o programa conseguiu induzir a formação de um parque industrial capaz de atender a uma demanda de cerca de dois bilhões e meio de litros de biodiesel. O PNPB não apenas conseguiu atender à demanda antecipada do B5, como alcançou uma capacidade produtiva bem superior à demanda atual. Não existem, portanto, riscos de desabastecimento no horizonte próximo. Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia, divulgado recentemente pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), se o índice de adição de biodiesel permanecer em 5%, a capacidade produtiva atual será suficiente para garantir uma oferta segura do combustível até 2019.




A implementação do PNPB gerou também alguns benefícios econômicos adicionais. A adição de biodiesel ao combustível fóssil, por exemplo, proporcionou economias de divisas, já que o Brasil importa um volume significativo de diesel mineral. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a mistura de 4% (B4) em vigor desde julho de 2009 permitiu uma economia de divisas de US$ 1,3 bilhão. A produção de biodiesel, além disso, estabeleceu uma nova demanda por óleos vegetais, um produto cujo valor é superior ao grão in natura. Dado o baixo crescimento do consumo por óleos vegetais (1,8% ao ano) no Brasil, a demanda criada pelo PNPB garantiu um mercado seguro para um produto que se fosse exportado na forma de grão, de óleo ou de farelo enfrentaria condições de comercialização muito mais incertas.


O êxito industrial do PNPB está em grande parte associado a uma série de ajustes institucionais que minimizaram os riscos dos empreendimentos empresariais. Em primeiro lugar, cabe assinalar as sucessivas mudanças no cronograma de implementação do programa. Inicialmente, a Lei 11.097 (lei do biodiesel) determinou um prazo de oito anos para o B5 (2013) e de três anos para B2 (2008). No entanto, esses prazos foram encurtados: o B2 foi autorizado em 2005, o B3 em 2009 e o B5 em 2010. Solicitado pelos produtores de biodiesel e avaliado positivamente pelo governo, este ajuste no cronograma proporcionou uma demanda crescente e segura para a indústria.


Em segundo lugar, foram alteradas as regras de participação nos leilões de biodiesel organizados pela ANP. No começo do programa, os leilões eram eletrônicos. O objetivo era promover a impessoalidade necessária ao bom funcionamento dos mecanismos de mercado. Num contexto ainda marcado pela incerteza quanto ao desenvolvimento do mercado do biodiesel, as regras estabelecidas, no entanto, incentivaram práticas de preços predatórias por parte das empresas, resultando em deságio importante nos primeiros leilões. Nos leilões seis e sete, por exemplo, o deságio médio foi de mais de 22%. Como a franje menos robusta da indústria não se sentia capaz de sustentar esse padrão de mercado, havia temor de quebra.

 No estágio embrionário no qual se encontrava a indústria brasileira de biodiesel naquele momento, a possibilidade de falências era bastante crível e as perdas não eram somente privadas como políticas. Sem informações adequadas sobre o estado de saúde das empresas e temendo o fracasso de um programa econômica e politicamente atraente, o governo concordou em alterar as regras e a ANP instituiu pregões presenciais. O resultado desse ajuste institucional foi imediato: o deságio médio nos dez leilões seguintes não ultrapassou os 8,40%. A ANP, além de alterar as regras no intuito de garantir maior estabilidade dos preços, elevou os preços de referência – já a partir do sexto leilão – de modo que as condições de lucratividade da indústria melhoraram bastante. Ainda que os leilões presenciais tenham terminado recentemente – o décimo sétimo e o décimo oitavo leilões voltaram a ser eletrônicos –, o ajuste promovido no momento de maior incerteza quanto ao futuro da oferta de biodiesel revelou-se estratégico para o sucesso produtivo do programa.


Contudo, do ponto de vista distributivo e da justiça social, os resultados dos cincos primeiros anos de vida do PNPB são mais desanimadores, estando longe de atingir as metas esperadas inicialmente. O principal diferencial do PNPB em relação a outras políticas energéticas foi procurar estimular a produção de um novo combustível e promover a inclusão da agricultura familiar, nordestina em particular. Este aspecto, além de representar um fator de legitimidade para o governo e alimentar as expectativas das bases sociais que o apoiaram, era visto como fundamental para promover um modelo de desenvolvimento socialmente mais justo.

No entanto, até agora, este tem sido um dos aspectos mais problemáticos do programa. Os problemas gerenciais da Brasil Ecodiesel e seus efeitos negativos sobre a confiança dos agricultores familiares em relação aos benefícios do programa mostram que a articulação entre a agricultura familiar e a produção de biocombustível é complicada e que não existem a priori evidentes benefícios mútuos. De maneira mais geral, a incorporação de agricultores familiares num programa energético ambicioso e carregado de interesses diferenciados não tem se mostrado fácil.

Os interesses, valores e rotinas que sustentam as políticas energéticas, usualmente pautados por normas de segurança e de planejamento de longo prazo, não aderem facilmente ao objetivo de inclusão dos agricultores familiares nordestinos, já que estes são, geralmente, pouco capitalizados e organizados e, muitas vezes, não têm familiaridade com relações contratuais de médio e longo prazos. Além disso, são atores que enfrentam um recorrente problema de acesso a água e solos de qualidade. Em consequência, a oferta de matéria-prima torna-se mais incerta e os custos de coordenação das atividades elevam-se criticamente. A articulação desses mundos tão diferentes mostra-se, logo, complicada e fonte de problemas potenciais.



Esses problemas estruturais da inclusão da agricultura familiar, no entanto, poderiam em tese ser trabalhados e parcialmente resolvidos pelo programa. Mas os caminhos traçados pelo PNPB tomaram outros rumos, pelo menos até agora. A pressão dos produtores de biodiesel e a correlação de forças econômicas e políticas envolvidas no PNPB, dentro e fora do governo, somadas às preocupações quanto à sobrevivência do programa, induziram a adoção de uma estratégia que priorizou a garantia da oferta do biocombustível.

Ao mesmo tempo, admitiam-se temporariamente resultados sociais inexpressivos e a necessidade de revisão dos modos de atuação junto aos pequenos produtores. Assim, enquanto a indústria de biodiesel goza de relativa tranquilidade, recaiu sobre a Petrobras Biocombustível a árdua tarefa de promover uma cadeia de suprimentos no Nordeste e manter vivas as aspirações éticas do PNPB.


Os ajustes realizados para garantir os empreendimentos empresariais tiveram também efeitos distributivos não desejados na fase de formatação do PNPB. Ao alterar as regras dos leilões e encurtar o cronograma de implementação, a ANP acabou favorecendo os diferentes atores da cadeia de soja, a única estrutura organizacional capaz de responder aos desafios postos pela necessidade de abastecer um mercado desse tipo e dessa amplitude. Trata-se, com efeito, da única matéria-prima com oferta estruturada, segura e abundante de modo que cerca de 80% do biodiesel brasileiro é produzido a partir da soja (as demais matérias-primas significativas são o sebo bovino e o girassol). O PNPB, nesse sentido, transfere um volume de recursos não desprezível para os sojicultores do Centro-Oeste e Sul do Brasil, resultando num efeito distributivo não esperado e perturbador para as aspirações sociais do programa.

Soja: embora seja a planta mais utilizada para a produção de biodiesel no Brasil, tem baixa produtividade para a produção de óleo, quando comparada a outras plantas típicas do clima tropical ou ainda quando considera-se que é uma importante fonte de proteína vegetal para a alimentação.
A dependência da soja e as dificuldades em promover a inclusão social dos agricultores familiares representam os principais desafios do PNPB. No tocante à primeira questão, o governo tem se empenhado em desenvolver alternativas fomentando pesquisas e animando uma Rede Brasileira de Tecnologia de Biodiesel que visa articular os esforços dos atores e eliminar os gargalos tecnológicos do PNPB. Os esforços realizados permitiram revelar inúmeras fontes alternativas, como macaúba, microalgas, óleo de fritura, pinhão-manso e outras potenciais oleaginosas escondidas nos mais diversos ecossistemas brasileiros. Mas, no estágio atual de conhecimento e desenvolvimento tecnológico, essas alternativas não representam opções críveis do ponto de vista industrial e provavelmente levarão certo tempo para se posicionar como matérias-primas abundantes e seguras para a produção de biodiesel. Até mesmo o dendê, que tem recebido atenções especiais por parte dos pesquisadores e do governo devido à sua produtividade e ao fato de ser cultivado preferencialmente no Norte do país, carece de conhecimentos e escala produtiva.


Para solucionar o problema da inclusão dos agricultores familiares no Nordeste, público-alvo privilegiado do PNPB, as esperanças do governo repousam nas capacidades operacionais, logísticas e financeiras da Petrobras Biocombustível. Aposta-se que a empresa, que iniciou a produção de biodiesel em três plantas (na Bahia, no Ceará e no Norte de Minas Gerais), possui recursos financeiros e humanos suficientes para arcar com os custos de organizar a cadeia de suprimentos. E, talvez, o mais importante: ela não sofre a mesma pressão por lucros imediatos que um empreendimento privado e é provavelmente mais propensa a aceitar um prazo maior para alcançar resultados positivos. Por outro lado, se conseguir estruturar uma cadeia confiável, gerar benefícios econômicos líquidos e promover melhorias sociais, a empresa obterá dividendos econômicos e políticos invejáveis. Mas esta é ainda uma questão em aberto.


O cenário atual do mercado de biodiesel no Brasil é mais um exemplo de que a ação pública é capaz de induzir o desenvolvimento industrial de forma bastante efetiva. No entanto, os problemas que podem limitar a expansão do biodiesel e a legitimidade do PNPB são importantes. Os mais críticos residem na grande dependência da soja e na baixa inclusão da agricultura familiar. Se esses problemas não forem minorados, a produção de biodiesel perderá grande parte de seu apelo e apoio social e político.

Com efeito, como legitimar um biocombustível com baixo rendimento por unidade de terra e que não cumpre com seu objetivo de inclusão social? A materialização de uma política de promoção dos biocombustíveis capaz de combinar critérios de justiça e de eficiência depende provavelmente do desenvolvimento de novos cultivares e do ritmo de aprendizagem dos diferentes atores envolvidos. Em outras palavras, a legitimidade do PNPB está relacionada em grande parte a investimentos em ciências e tecnologias e à institucionalização de mecanismos que possam induzir a cooperação e a formação de competências tanto individuais como coletivas.


(*) Georges Flexor  é  Professor do IM/UFRRJ, membro do Observatório de Políticas Públicas para Agricultura (OPPA/CPDA/UFRRJ), bolsista FAPERJ e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento/INCT-PPED.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16702

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PAULILLO, Luiz Fernando; VIAN, Carlos Eduardo de Freitas; SHIKIDA, Pery Francisco Assis  and  MELLO, Fabiana Tanoue de. Álcool combustível e biodiesel no Brasil: quo vadis?. Rev. Econ. Sociol. Rural [online]. 2007, vol.45, n.3, pp. 531-565. 



Girassol: produtividade de cerca de 800 kg de óleo vegetal por ha/ano, aproximadamente duas vezes mais óleo por ha/ano do que a soja.


Amendoim: produtividade de cerca de 1 a 1,2 toneladas de óleo vegetal por ha/ano, faz do amendoim um bom candidato para a produção de biodiesel, já que essa média representa de 3 a 4 vezes mais óleo por ha/ano do que a soja.


Mamona: produtividade média que varia de 1 a 2 toneladas de óleo vegetal por ha/ano. A mamona conta com grande variabilidade genética e grande resistência à pragas, além da possibilidade de ser produzida em solos pobres. Estas características dessa planta que era considerada uma forma de "praga" na lavoura brasileira até alguns anos atrás e a boa viscosidade do seu óleo fazem desta cultura uma boa alternativa para países tropicais .


A palmeira de babaçu, uma planta típica de clima tropical e equatorial, muito comum nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, apresenta alta produtividade por hectare/ano quando plantada (mais de 3 toneladas por ha/ano, já tendo sido identificadas variedades capazes de produzir cerca de 5 toneladas por ha/ano). Mesmo a prática do extrativismo em florestas naturais apresenta uma produtividade média elevada para esta modalidade de aproveitamento, que alcança cerca de 300kg/ha/ano, o que é quase a mesma média da soja plantada (400kg/ha/ano).


  



COSTA, Wanderley Messias da. 2010. Arranjos comunitários, sistemas produtivos e aportes de ciência e tecnologia no uso da terra e de recursos florestais na Amazônia. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. vol.5, n.1, pp. 41-57. 




Biodiesel de algas - embora permita uma alta produtividade por hectare, a tecnologia atual e a escala de produção ainda são problemáticas, fazendo com que o custo médio do litro de biodiesel de algas seja de 5 a 10 vezes maior do que o biodiesel de plantas como a soja, amendoim ou girassol.







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Assista ao vídeo da Petrobrás sobre a Produção de Biodisel, disponível no Canal da Petrobrás no Youtube





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